Fato do Príncipe e a pandemia de COVID-19

O disposto no artigo 486, da CLT – teoria conhecida como “Fato do Príncipe” – tem sido invocado para fins de buscar transferir para as autoridades públicas a obrigação pelo pagamento de verbas trabalhistas em razão da situação de paralisação de atividades empresariais decorrente da Pandemia de COVID-19, doença respiratória causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2).

O artigo citado trata da paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade pública que impossibilita a continuação da atividade. Com isso, prevalecendo pagamento de indenização a cargo do governo responsável.

Ocorre que a situação de calamidade pública que vivemos é atípica e o fechamento dos estabelecimentos decorre de questão de saúde pública, visando a preservação da vida humana, argumentos que podem afastar a aplicação do artigo 486, da CLT.

Verifica-se a presença, no momento atual, de medidas governamentais com vistas a manutenção dos empregos. Destacam-se, por exemplo: a Medida Provisória nº 927 que possibilita ao empregador, antecipar férias e postergar o respectivo pagamento, determinar a prestação de serviço através de teletrabalho (home office), a possibilidade de aproveitamento e antecipação de feriados, estabelecimento de banco de horas e diferimento do recolhimento do FGTS; e as diversas disposições nos decretos municipais e estaduais que permitem, para determinados setores e serviços, a manutenção das atividades.

Além disso, a situação presente é de natureza temporária, não decorrendo diretamente dela a eventual rescisão de contratos de trabalho.

Importante destacar também que os parágrafos do artigo 486 ressaltam que tal situação deverá ser invocada em processo judicial. Dessa interpretação se depreende que o empregador não está autorizado a deixar, por conta própria, de pagar remuneração e demais verbas, ficando a responsabilidade a cargo do Poder Público. Eventual conduta nesse sentido implicará no risco de, além de não ter as verbas quitadas, o empregador precisar arcar com multa e juros pelo pagamento atrasado.

A par dessas circunstâncias, também há de se considerar que há discussão acerca da competência para julgamento da matéria; ou seja, não há certeza se o processo será analisado pela Justiça do Trabalho como as demais ações trabalhistas ou pelo Juízo Comum da Fazenda Pública, considerando o que dispõe o referido artigo 486, §3º, da CLT, o que pode atrasar o andamento processual.

Até o momento é incerta a forma como será aplicada, pelos tribunais, a norma do artigo 486, da CLT, motivo pelo qual se recomenda cautela ao empregador.